quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Quem disse que o artista não tem que ganhar dinheiro?

Francis Ford Coppola, diretor de Apocalypse Now e da trilogia “O Poderoso Chefão”, deu um susto em todo mundo com o seguinte posicionamento em recente entrevista: “…É preciso lembrar que há míseros cem anos, e olhe lá, os artistas trabalham com dinheiro. Artistas nunca tiveram dinheiro. Artistas tinham um patrono, seja ele o líder do estado ou o duque de algum lugar, ou a igreja, ou o papa. Ou eles tinham outro emprego. Eu tenho outro emprego. Eu faço filmes. Ninguém me diz o que eu tenho que fazer. Mas eu faço meu dinheiro na indústria do vinho (…) Eu vou levar um tiro por dizer isso. Mas quem disse que a arte custa dinheiro? E, portanto, quem disse que os artistas têm que ganhar dinheiro?”. Coppola ainda afirmou que está do lado desses “estudantes que baixam filmes” na internet.
Eu diria a Coppola, se tivesse a oportunidade, que não estamos mais naqueles séculos, é claro que os artistas precisam ser pagos (É até fácil dizer isso quando já se ganhou com o cinema o suficiente para investir em vinhos e com eles agora investir no cinema). Em que pese tudo isso, concordo que as artes não precisam fazer multimilionários, um ator precisa receber 35 milhões para gravar cenas de um filme? Nós sabemos que o rosto de um ator é uma marca por ele construída e agrega valor à produção (muito valor). Eu sei, e você sabe que o que inflaciona a arrecadação dos artistas, são as altas somas que envolve o mercado da arte. Se o artista gera um lucro de 200 milhões para um estúdio, é natural que ele possa abocanhar pelo menos 20 milhões.
O problema não pode ser analisado por uma ótica tão restritiva, ele não está só no campo da arte elitizada, está no mercado, está no capitalismo que felizmente ou infelizmente também faz as coisas acontecerem, como as grandes produções. Não adianta ficarmos discutindo isoladamente os salários de grandes estrelas do futebol, o quanto ganham certos músicos e modelos para subirem num palco ou passarela, além dos corredores de Fórmula 1 e tantas outras figuras. Tudo isso está conectado, nós bancamos parte do show da Lady Gaga na Alemanha se pagamos pelo refrigerante da marca que a patrocina, mas claro, você pagou e bebeu, agora fique na sua!
No semiárido baiano, por exemplo, é comum ver o artista que vive à base de ofícios, solicitando transporte para levar a sua arte a municípios da redondeza. O cachê pode até acontecer para estes, mas nem sempre paga a viagem de volta pra casa, e a roupa que comprou para a apresentação, quem dirá uma sobra. Mesmo que despretensiosamente se faça arte sem olhar a quem e sem pensar em quanto, a arte pode ser recompensada de alguma maneira, seja com uma porta aberta para outras paradas, seja pelo cachê, que não deve ser confundido com o famigerado “agrado pra pagar um refrigerante”. Há quem faça da arte seu ofício de sustentação econômica e ocupação do maior tempo de seus dias, e há quem faça disso uma doação em prol da alegria e da descontração alheias. Mas até mesmo este solidário artista terá razão se encarar suas peripécias, de um dia para outro, como um serviço.
Uma poderosa tríade construiu imensos tentáculos nas três últimas décadas: As corporações do entretenimento, das telecomunicações e das novas tecnologias. Elas não fazem campanhas para convencer, apenas ditam, sobrevivendo sobre imensas e luxuosas estruturas sustentadas pelos artistas (dos designers aos maquiadores), ou seriam vigas? Logo abaixo estamos nós, enfeitiçados diante de palcos, telas e vitrines. Os milhares que chamaram o IPAD – quando foi lançado – de tijolo sem nexo estavam necessariamente errados? A osmose promovida pelo marketing bem sucedido agora faz a pergunta “por que eu precisaria?” se transformar em “por que eu não tenho?”. E as perguntas só aumentam: “por que escrevi esse artigo?” e, “por que eu li até aqui, se tô cansado de saber de tudo isso?”, diria você. Não há nada de novo que precise ser dito, é preciso refletir antes de descartar o que muitos vem alertando há tempos, enquanto isso escrevemos músicas, faixas, poemas e tweets. Aliás, se escrever é uma arte eu sou um exemplo pra você citar, Coppola, não ganhei nada, mas bem que gostaria

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