terça-feira, 29 de maio de 2012

LITERATURA E ARTE CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

 

A Coleção Bom Livro, da editora Ática, voltou a reformular seu projeto gráfico: passou a incorporar obras de arte contemporânea brasileira no design de suas capas. A mistura do clássico e do contemporâneo vai além de uma estética diferenciada - traz também a discussão da arte contemporânea para dentro das salas de aula.
A Coleção Bom Livro, da editora Ática, já é velha conhecida das escolas e do mercado editorial. Em seu catálogo, traz alguns dos maiores clássicos da literatura brasileira e portuguesa, como Dom Casmurro, A Moreninha, O Cortiço, Lira dos Vinte Anos, entre outras obras. A coleção já passou por três tipos de capas diferentes e em 2008 aconteceu sua mais recente reformulação de projeto gráfico. A ideia era fugir do aspecto juvenil que a série possuía, devido à sua ligação com as leituras obrigatórias escolares, e foi decidido que seriam usadas obras de arte contemporânea brasileira para figurar no design. A mudança radical quebra a barreira do foco juvenil e torna a coleção atrativa também para o leitor adulto.

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O Cortiço. Capa com detalhe da instalação Iruption Series, de Regina Silveira.
“Nossa intenção foi ampliar o público e, ao mesmo tempo, mostrar a permanência desses livros nos dias de hoje”, diz o editor Fabrício Waltrick. “Daí a escolha por artistas brasileiros contemporâneos. São os nossos clássicos de séculos atrás representados num olhar de hoje (mesmo que incidental). Não haveria melhor maneira de mostrar que aqueles livros – tão desgastados pelas leituras obrigatórias – eram arte, senão usando a própria arte.”
Por parte dos leitores, ocorrem discussões sobre a adequação dessas novas capas para o público adolescente, que supostamente não se interessa por arte contemporânea. Mas definir se as capas que diferem das tradicionais são atraentes para estudantes é algo que vai depender de um leque de fatores intra e extra-escolares. O dever de despertar (ou a tragédia de minguar) o interesse por determinada literatura ou arte não deve recair no projeto gráfico de um livro ou coleção, como é popular que se julgue. A questão educacional em torno desse problema é grandiosa e não cabe num artigo. Aqui é justo que se fale da coleção dentro de sua proposta de trazer uma nova experiência de diálogos entre literatura e artes plásticas.
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Os Bruzundangas. Obra da capa Desenhos em Bananas Retrato de Tónico Lemos Auad.
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Antologia Poética - Romantismo. Obra da capa Cinecromático 2SE - 18, de Abraham Palatnik.
A escolha de qual obra de arte apareceria em cada título literário foi feita internamente na editora. Observando os livros, que possuem uma bonita e simples diagramação, notamos que há todo tipo de expressão na capa: pinturas, fotografias, instalações, esculturas, entre outros que se adequaram bem ao design limpo e elegante. Fabricio Waltrick ressalta que não houve uma pretensão de montar um panorama atual das artes plásticas. Mas pode-se afirmar que a coleção oferece uma amostra bastante ilustrativa do que podemos encontrar na arte contemporânea brasileira e funciona como um deflagrador de interesse para o público leigo no assunto.
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Marília de Dirceu. Obra da capa 730 Ave Marias (díptico), de Stephan Doitschnoff.
Além de fugir do lugar-comum das capas tradicionais, as capas dessa coleção trazem a arte contemporânea para dentro das salas de aula. Pouco se discute artes plásticas na escola durante o ciclo do Ensino Médio. Normalmente o assunto é abordado nas aulas de história, quando se fala da Semana de 22 e das vanguardas europeias. Fala-se dos principais movimentos do início do século XX, como o impressionismo, o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, entre outros. Mas se passa correndo por eles, com uma breve descrição compacta e uma ou duas figuras como exemplo mais conhecido.
As artes voltam a figurar quando a matéria chega aos anos 60, na ditadura e nas revoluções artísticas, sexuais e comportamentais dos jovens da época. Alguns livros didáticos de literatura constroem uma teia de intertextualidade com artes visuais (incluindo quadrinhos populares), tornando o pragmatismo das matérias algo mais palatável e atual. E, dependendo do(a) professor(a), as artes plásticas podem se tornar complemento importante ao longo do ano letivo. Ainda assim, a arte contemporânea em específico, e brasileira principalmente, costuma ser ignorada. Felizmente, o quadro parece mudar aos poucos.
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Lira dos Vinte Anos. Obra da capa Solve et coagula, de Elder Rocha.
“A arte brasileira contemporânea está em processo de valorização, inclusive nas escolas”, diz Fabricio Waltrick. “Um projeto como este estabelece diálogos e brinca com os sentidos que a literatura apropria das artes plásticas e vice-versa. Por exemplo, uma obra de Adriana Varejão ganha a aura de clássico quando ilustra o 'Auto da Barca do Inferno'. Enquanto Gil Vicente acaba ficando com uma bela cara contemporânea. E todo mundo sai feliz. Aliás, sei que a Adriana gostou muito do projeto. E isso foi o máximo pra gente.”
Essa discussão em sala de aula vai além de exercitar a criatividade, o senso estético e o raciocínio interdisciplinar, ela inicia o estudante na linguagem das artes plásticas, evitando que amanhã ou depois ele enverede pelo caminho dos que torcem o nariz para a arte contemporânea por puro preconceito e a classifique como coisa para intelectualoides. (Algo que, infelizmente, também acaba acontecendo com os próprios clássicos literários. Embora se deva dizer que parte dessa antipatia do público nasça devido à miopia de alguns acadêmicos).
Os livros da coleção trazem, ao final, uma ficha sobre a obra de arte que figura na capa. A página mostra detalhes técnicos da obra, como nome, materiais e dimensões, uma biografia do artista, e um texto bastante elucidativo que relaciona a obra de arte com a ficção literária que ela ilustra naquele livro em particular. A capa de Cronistas do descobrimento (organização de Antonio Carlos Olivieri e Marco Antonio Villa) traz a pintura Who’s afraid of red, de Dora Longo Bahia, uma paisagem natural saturada em tons avermelhados e róseos e com uma profusão de arranhões que parecem destruí-la parcialmente. O texto explicativo ao final do livro relaciona o processo criativo dessa obra com a maneira como as narrativas sobre o Brasil do século XVI foram feitas: “O cruzamento de impressão quase instintiva e construção racional perfazem a síntese da imagem, assim como nos relatos dos cronistas”. E, mais ainda, os arranhões esbranquiçados como cicatrizes sobre a paisagem antes imaculada nos fornecem uma ilustração explícita da intervenção colonizadora em terras (que se tornariam) brasileiras.
Acesse o site da coleção para conhecer mais sobre os livros, as obras de arte que aparecem em cada capa e para ter acesso aos suplementos virtuais.
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O Crime do Padre Amaro. Obra da capa sem título, de Hidelbrando de Castro.
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A Moreninha. Obra da capa Montes, de Tatiana Blass.
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Contos (Machado). Obra da capa Poça III, de Daniel Senise.
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O Alienista. Obra da capa Semblantes, de Arthur Bispo do Rosário.
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Auto da Barca do Inferno. Obra da capa Azulejaria de cozinha com caças variadas, de Adriana Varejão.
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Memórias de um Sargento de Milícias. Obra da capa O visível e o invisível, de Marco Paulo Rolla.

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