A Coleção
Bom Livro,
da editora Ática,
já é velha conhecida das escolas e do mercado editorial. Em seu catálogo, traz
alguns dos maiores clássicos da literatura brasileira e portuguesa,
como Dom
Casmurro, A
Moreninha, O
Cortiço, Lira
dos Vinte Anos,
entre outras obras. A coleção já passou por três tipos de capas diferentes e em
2008 aconteceu sua mais recente reformulação de projeto gráfico. A ideia era
fugir do aspecto juvenil que a série possuía, devido à sua ligação com as
leituras obrigatórias escolares, e foi decidido que seriam usadas obras de arte
contemporânea brasileira para figurar no design. A mudança radical quebra a
barreira do foco juvenil e torna a coleção atrativa também para o leitor
adulto.
O Cortiço. Capa com detalhe da instalação Iruption Series, de Regina Silveira.
Os Bruzundangas. Obra da capa Desenhos em Bananas Retrato de Tónico Lemos Auad.
Antologia Poética - Romantismo. Obra da capa Cinecromático 2SE - 18, de Abraham Palatnik.
Marília de Dirceu. Obra da capa 730 Ave Marias (díptico), de Stephan Doitschnoff.
Lira dos Vinte Anos. Obra da capa Solve et coagula, de Elder Rocha.
O Crime do Padre Amaro. Obra da capa sem título, de Hidelbrando de Castro.
A Moreninha. Obra da capa Montes, de Tatiana Blass.
Contos (Machado). Obra da capa Poça III, de Daniel Senise.
O Alienista. Obra da capa Semblantes, de Arthur Bispo do Rosário.
Auto da Barca do Inferno. Obra da capa Azulejaria de cozinha com caças variadas, de Adriana Varejão.
Memórias de um Sargento de Milícias. Obra da capa O visível e o invisível, de Marco Paulo Rolla.
O Cortiço. Capa com detalhe da instalação Iruption Series, de Regina Silveira.
“Nossa
intenção foi ampliar o público e, ao mesmo tempo, mostrar a permanência desses
livros nos dias de hoje”, diz o editor Fabrício Waltrick. “Daí
a escolha por artistas brasileiros contemporâneos. São os nossos clássicos de
séculos atrás representados num olhar de hoje (mesmo que incidental). Não
haveria melhor maneira de mostrar que aqueles livros – tão desgastados pelas
leituras obrigatórias – eram arte, senão usando a própria arte.”
Por
parte dos leitores, ocorrem discussões sobre a adequação dessas novas capas para
o público adolescente, que supostamente não se interessa por arte contemporânea.
Mas definir se as capas que diferem das tradicionais são atraentes para
estudantes é algo que vai depender de um leque de fatores intra e
extra-escolares. O dever de despertar (ou a tragédia de minguar) o interesse por
determinada literatura ou arte não deve recair no projeto gráfico de um livro ou
coleção, como é popular que se julgue. A questão educacional em torno desse
problema é grandiosa e não cabe num artigo. Aqui é justo que se fale da coleção
dentro de sua proposta de trazer uma nova experiência de diálogos entre
literatura e artes plásticas.
Os Bruzundangas. Obra da capa Desenhos em Bananas Retrato de Tónico Lemos Auad.
Antologia Poética - Romantismo. Obra da capa Cinecromático 2SE - 18, de Abraham Palatnik.
A
escolha de qual obra de arte apareceria em cada título literário foi feita
internamente na editora. Observando os livros, que possuem uma bonita e simples
diagramação, notamos que há todo tipo de expressão na capa: pinturas,
fotografias, instalações, esculturas, entre outros que se adequaram bem ao
design limpo e elegante. Fabricio Waltrick ressalta que não houve uma pretensão
de montar um panorama atual das artes plásticas. Mas pode-se afirmar que a
coleção oferece uma amostra bastante ilustrativa do que podemos encontrar na
arte contemporânea brasileira e funciona como um deflagrador de interesse para o
público leigo no assunto.
Marília de Dirceu. Obra da capa 730 Ave Marias (díptico), de Stephan Doitschnoff.
Além
de fugir do lugar-comum das capas tradicionais, as capas dessa coleção trazem a
arte contemporânea para dentro das salas de aula. Pouco se discute artes
plásticas na escola durante o ciclo do Ensino Médio. Normalmente o assunto é
abordado nas aulas de história, quando se fala da Semana de 22 e das vanguardas
europeias. Fala-se dos principais movimentos do início do século XX, como o
impressionismo, o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, entre outros. Mas se passa
correndo por eles, com uma breve descrição compacta e uma ou duas figuras como
exemplo mais conhecido.
As
artes voltam a figurar quando a matéria chega aos anos 60, na ditadura e nas
revoluções artísticas, sexuais e comportamentais dos jovens da época. Alguns
livros didáticos de literatura constroem uma teia de intertextualidade com artes
visuais (incluindo quadrinhos populares), tornando o pragmatismo das matérias
algo mais palatável e atual. E, dependendo do(a) professor(a), as artes
plásticas podem se tornar complemento importante ao longo do ano letivo. Ainda
assim, a arte contemporânea em específico, e brasileira principalmente, costuma
ser ignorada. Felizmente, o quadro parece mudar aos poucos.
Lira dos Vinte Anos. Obra da capa Solve et coagula, de Elder Rocha.
“A
arte brasileira contemporânea está em processo de valorização, inclusive nas
escolas”, diz Fabricio Waltrick. “Um
projeto como este estabelece diálogos e brinca com os sentidos que a literatura
apropria das artes plásticas e vice-versa. Por exemplo, uma obra de Adriana
Varejão ganha a aura de clássico quando ilustra o 'Auto da Barca do Inferno'.
Enquanto Gil Vicente acaba ficando com uma bela cara contemporânea. E todo mundo
sai feliz. Aliás, sei que a Adriana gostou muito do projeto. E isso foi o máximo
pra gente.”
Essa
discussão em sala de aula vai além de exercitar a criatividade, o senso estético
e o raciocínio interdisciplinar, ela inicia o estudante na linguagem das artes
plásticas, evitando que amanhã ou depois ele enverede pelo caminho dos que
torcem o nariz para a arte contemporânea por puro preconceito e a classifique
como coisa
para intelectualoides. (Algo que, infelizmente, também acaba acontecendo
com os próprios clássicos literários. Embora se deva dizer que parte dessa
antipatia do público nasça devido à miopia de alguns acadêmicos).
Os
livros da coleção trazem, ao final, uma ficha sobre a obra de arte que figura na
capa. A página mostra detalhes técnicos da obra, como nome, materiais e
dimensões, uma biografia do artista, e um texto bastante elucidativo que
relaciona a obra de arte com a ficção literária que ela ilustra naquele livro em
particular. A capa de Cronistas
do descobrimento (organização de Antonio
Carlos Olivieri e Marco
Antonio Villa) traz a pintura Who’s
afraid of red, de Dora
Longo Bahia, uma paisagem natural saturada em tons avermelhados e
róseos e com uma profusão de arranhões que parecem destruí-la parcialmente. O
texto explicativo ao final do livro relaciona o processo criativo dessa obra com
a maneira como as narrativas sobre o Brasil do século XVI foram feitas: “O
cruzamento de impressão quase instintiva e construção racional perfazem a
síntese da imagem, assim como nos relatos dos cronistas”. E, mais ainda, os
arranhões esbranquiçados como cicatrizes sobre a paisagem antes imaculada nos
fornecem uma ilustração explícita da intervenção colonizadora em terras (que se
tornariam) brasileiras.
Acesse
o site da
coleção para conhecer mais sobre os livros, as obras de arte que aparecem em
cada capa e para ter acesso aos suplementos virtuais.
O Crime do Padre Amaro. Obra da capa sem título, de Hidelbrando de Castro.
A Moreninha. Obra da capa Montes, de Tatiana Blass.
Contos (Machado). Obra da capa Poça III, de Daniel Senise.
O Alienista. Obra da capa Semblantes, de Arthur Bispo do Rosário.
Auto da Barca do Inferno. Obra da capa Azulejaria de cozinha com caças variadas, de Adriana Varejão.
Memórias de um Sargento de Milícias. Obra da capa O visível e o invisível, de Marco Paulo Rolla.